Pular para o conteúdo principal

Bolsonaro, Elis e a música


A cultura nacional com herança dos Anos de Chumbo

Por Rosângela Trolles

Este ano de 2018 é ano eleitoral e não sei como pessoas podem pensar em votar em Bolsonaro. Lembro de toda uma resistência de esquerda e toda uma cultura que foi dizimada pelos militares no país. Eram os Anos de Chumbo e tínhamos uma voz que despontava com virtuosismo no cenário nacional.

Elis Regina era o nome da pimentinha e sabe-se que em 1969 numa entrevista em Paris ela foi arguida pela falta de liberdade no país o que a cantora respondeu que o Brasil estava governado por gorilas. A popularidade livrou-a da prisão. Mas ela foi obrigada pelos militares a cantar o hino nacional num estádio durante uma solenidade televisionada para o Brasil, o que despertou a ira da esquerda brasileira.

Henfil, cartunista do Pasquim, fez um desenho enterrando a cantora, embora Elis sempre tenha sido engajada politicamente e chegou a participar de movimentos de renovação política e cultural brasileiras. Mas houve também outros incidentes. Por conta de sua gravação da música Black is beautiful um inquisidor quis saber o porquê de ela ter interpretado a canção. Ela respondeu que a havia achado bonita o que não foi suficiente para o militar. O homem fardado a comunicou que isto era um problema de fora e que aqui ninguém falava de negros. E também a coagiu por ser uma mulher desquitada com um filho para criar.

Só que Elis foi se tornando cada vez mais interprete de canções antológicas como Arrastão e engajadas como foi o caso de O bêbado e a equilibrista que vibrava como o hino da anistia a partir de 1979 no país. Elis também se filiou ao PT em 1981. A artista que faleceu em 1982 levou o troféu imprensa de melhor cantora de 1961-1977 e foi eleita a melhor voz feminina da música brasileira em 2013 pela revista Rolling Stone.

Em 2016 Hugo Prata dirigiu o longa-metragem Elis com Andreia Horta que pude assistir no canal MegaPix da Sky mas que também está disponível completo no YouTube. No filme podemos sentir a barra dos Anos de Chumbo nos quais artistas e intelectuais eram perseguidos e exilados por causa de uma cultura obscurantista da polícia e das forças armadas

Elis teve três filhos, entre eles a cantora Maria Rita nascida em 1977, filha do pianista César Camargo Mariano e notabilizou-se como cantora de MPB. Além do longa-metragem Elis também foi homenageada com um musical e o enredo da escola de samba Vai-Vai. Há também um acervo em Porto Alegre e uma estátua numa praça, nesta que é sua cidade natal.

Veja o filme e reflita sobre aqueles que defendem Bolsonaro pois hoje no Brasil grande cantora é Anitta. Com sua baixa qualidade vocal e seu repertório sensualizado e de ostentação, hoje temos a consagração da alienação num país que destruiu a capacidade de reflexão e os valores fundamentais através de gorilas que hoje tem no ex-capitão do exército seu maior expoente. É essa cultura que você acredita? Será que precisa ser assim?

Comentários

Artigos mais visitados

Bacurau, um filme que sangra

por Rosângela Trolles RJ, 07 de setembro de 2019 Assim que assisti ao filme Bacurau não entendi, na angústia da violência extremada. Acontece que Bacurau fala de gente, não tem ouro como eu meio perdida no roteiro simbólico pensei, não tem briga explícita por recurso. Tem gente. Este é o recurso.  O colunista de O Globo (01/09/2019), Arthur Xexéu, se fez bem a pergunta, mas não lhe caiu a ficha. Pautou sua avaliação desta obra de arte atual pela pergunta que a personagem de Karine Teles faz para uma atendente de bar da cidadezinha; – Quem nasce em Bacurau é o quê?  Xexéu omitiu a resposta e disse que foi a única coisa que quis saber no filme, dando a entender que não era nada. Não entendeu. Achou que estava na Alemanha de Goethe. Porém, a cena é impactante e a resposta vem de súbito de um menino; - É gente! Bacurau , pra mim, não tem nada de ficção científica, como quiseram alguns lhe enquadrar neste gênero. É western sertanejo, terror gore . Ação pu...