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Uma reflexão sobre gênero


Por Rosângela Trolles
RJ, 01 de dezembro de 2008

A construção por um espaço feminino é uma conquista bastante recente na história da humanidade. Historicamente as mulheres não tinham a possibilidade de participação nas sociedades e são notórios os abusos contra estas nas várias civilizações. A consolidação de direitos das mulheres somente se deu por lutas travadas no último século. As mulheres conquistaram seus direitos de voto, de voz e de participação social.

Muito há que se observar a respeito deste problema. Durante décadas as mulheres lutaram por igualdade perante aos homens. Hoje já se avançou nesta busca e defendem-se os direitos respeitando-se as diferenças referentes ao sexo. Porém, avançando-se ainda mais nesta questão, podemos observar que a discussão sobre os direitos da pessoa humana não pode se deter na questão de gênero.

A ciência já confirmou que a possibilidade de uma capacidade cognitiva é igual entre homens e mulheres. Então, liberamos nossa discussão para constatar a existência de uma diferença de natureza no próprio ser feminino. É preciso estar atento para não generalizar a mulher com determinadas características. Poderíamos mesmo estabelecer divergências no ser-mulher.

Observamos uma dualidade de procedimentos entre o que vamos chamar de a mulher-peste e a mulher-afeto.

A mulher-peste é uma realidade. Seu modus vivendi é marcado pela mania. A mania é uma declinação para um comportamento repetitivo dado a hábitos restritivos de apego a coisas mesquinhas que desponta numa inveja que é um querer para si o que é de outrem a fim de sobressair-se pela insistência e pela usurpação. É um não-querer que o outro brilhe, uma espécie de eliminação da concorrência através de ações ardilosas, se necessário, delituosas. A mulher-peste resvala para o vício dada a degeneração de seu ser.

Surge um quadro que podemos citar como doença social, na qual o prazer desta pessoa transforma-se em perversão manifestando o gosto pela destruição. Vemos a mulher-peste infiltrando-se nos espaços, valendo-se de disfarces e através das máscaras de mãe, dona-de-casa, chefe de família, de empresária, de funcionária pública.

Na cultura popular vemos representações da mulher-peste em narrativas televisivas como é o caso (clínico) da vilã Flora (Patrícia Pilar) da novela das nove A Favorita exibida pela Rede Globo (2008). Ela aparece loira, de olhos azuis, de ar pretensamente despojado escondendo uma personalidade perfídia. Num corpo bonito ocultam-se monstruosidades nascidas do amor-nenhum.

Sua dualidade seria a mulher-afeto, aquela que tem por modus vivendi o impulso de Vida. Seu ser é uma obra de arte orientada pelo desinteresse e por uma ação que tem um fim em si mesma. Enquanto a mulher-peste deteriora a estrutura cultural que é o campo dos valores e princípios, a mulher-afeto desenvolve o conhecimento simbólico que é aquele que não se manifesta de modo instrumental, mas cria um campo simbólico rico de significado.

Enquanto a mulher-peste é esterilizadora contumaz, a mulher-afeto é nutritiva, alimentando em nós o gosto pela vida. Ao invés do perfil da rapinagem da mulher-peste, a mulher-afeto tem a iniciativa de inventar sempre uma nova possibilidade para a vida se manifestar na plenitude de sua saúde.

Assim, percebemos que esta luta pelos direitos do ser feminino é ainda uma longa trilha a se caminhar. É preciso detectar as diversas maneiras de capturar, manipular e tirar proveito do ser feminino, combatendo contundentemente esta violência. Isso, no entanto, não se dá apenas enfrentando o discurso de dominação masculino, mas também a perfídia de determinadas mulheres.

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