Por Rosângela Trolles
RJ, 11 de novembro de 2008
A opressiva tendência globalizante traz sérias consequências para a cultura contemporânea. Hoje em dia, vemos nossas crianças e jovens (e mesmo os adultos) estabelecendo um jogo de identificação com personagens totalmente alienígenas para nossa vivência. O Homem Aranha, por exemplo, invadiu todos os meios comunicativos e está presente nas telas do cinema, na televisão, nos programas japoneses, nas roupas e numa quantidade de bugigangas descartáveis que impingem um imaginário extrínseco a nós e que, por não estabelecer nenhum fio de ligação com a nossa realidade, funciona como uma espécie de cultura da esquizofrenia.
Mas nossa cultura é rica em personagens mitológicos e o mito é especialmente uma concepção originária que dá sentido à nossas vidas e nos faz nos reconhecer como integrantes de uma comunidade. Porém, no cotidiano nos comunicamos através destes ícones exteriores a nosso estilo de vida. O Homem Aranha veio a se tornar uma espécie de herói numa verdadeira inversão de valores. É um personagem comum e sequer estabelece um embate com forças maiores. Preocupa-se apenas em ganhar dinheiro, imerso num universo doentio, confuso e desorientado quanto à sua carreira, impotente num mundo que tem como signo maior uma competitividade agressiva.
A população se identifica com ele, ao ponto dele ser querido e popular, fazendo surgir um vínculo de amizade com seu ícone. Mas não há aí, observando-se de perto, um mérito de autenticidade. Trata-se do mais escancarado programa de lavagem cerebral. Então, afinal, o que o Homem Aranha é capaz de fazer? Ora, ele se locomove entre os prédios de New York lançando suas teias que aderem às superfícies e podem ser usadas como armas.
Fica nítido aí uma manifestação de um imaginário bélico. Ele demonstra ser um personagem invasor que, esgueirando-se entre desvãos, vai infiltrando-se, obtendo seu favorecimento na habilidade de dominação dos espaços. Cá entre nós, o Homem Aranha parece uma praga.
Está na hora de sermos iconoclastas e parar de adorar ídolos do consumismo e da comunicação massiva e nos voltarmos para verdadeiros heróis que sejam a interpretação mais consistente de nossa busca em compreender o mundo que nos cerca com a infinidade de questões que nos desafiam sucessivamente.
Há mitos brasileiros completamente exilados de nossa cultura. Veja o caso de Iara. Ela expressa a maior e mais urgente questão que o mundo enfrenta na contemporaneidade: o respeito e a preservação de nossos mananciais de água doce. Esta é a fonte que sustenta o organismo planetário e a Amazônia possui a maior reserva deste bem maior para a humanidade. No entanto, não nos importamos em difundir uma cultura que valorize e desperte uma atitude de respeito para com esta realidade.
De um modo diverso do personagem da moda fantasiado de uniforme azul e vermelho, Iara possui uma estética totalmente diferente. Como comenta o folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo, ela é uma linda sereia melodiosa de longos cabelos negros e olhos castanhos. Iara liga o imaginário popular com uma dimensão divinal, além humana, ela é uma deusa ou Mãe d’água pois Y-Yára quer dizer ‘a que mora na água’, soberana entre os monstros marinhos, os Y-Yára-ruoiara.
Sendo assim, é patente a necessidade de construir um filtro contra a distorção de nossos processos comunicativos. Precisamos proteger nossa cultura do massacre de uma linguagem que tem por característica a reverência a objetos de consumo para assumirmos atributos próprios de nossa coletividade como o cuidado, numa postura de guardiões do nosso patrimônio, fazendo jus a um povo que reverencia seu enorme potencial.
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