por Rosângela Trolles
RJ, 07 de setembro de 2019
Assim que assisti ao filme Bacurau não entendi, na angústia da violência extremada. Acontece que Bacurau fala de gente, não tem ouro como eu meio perdida no roteiro simbólico pensei, não tem briga explícita por recurso. Tem gente. Este é o recurso.
O colunista de O Globo (01/09/2019), Arthur Xexéu, se fez bem a pergunta, mas não lhe caiu a ficha. Pautou sua avaliação desta obra de arte atual pela pergunta que a personagem de Karine Teles faz para uma atendente de bar da cidadezinha; – Quem nasce em Bacurau é o quê?
Xexéu omitiu a resposta e disse que foi a única coisa que quis saber no filme, dando a entender que não era nada. Não entendeu. Achou que estava na Alemanha de Goethe. Porém, a cena é impactante e a resposta vem de súbito de um menino; - É gente!
Bacurau, pra mim, não tem nada de ficção científica, como quiseram alguns lhe enquadrar neste gênero. É western sertanejo, terror gore. Ação pura. O título do filme é o apelido do último ônibus da madrugada no Recife, e a origem do nome vem de uma ave noturna dos sertões brasileiros, chamada pelos povos tupis de wakura'wa.
A produção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019, tornando-se o segundo filme brasileiro da história a alcançar o prêmio, após O pagador de promessas (1962) de Anselmo Duarte.
Bacurau fala de sobrevivência de modo claro e direto. No enredo, pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, o personagem de um professor descobre com os moradores do pequeno povoado do sertão brasileiro que a comunidade não consta mais em qualquer mapa.
O povoado é solidário, horizontal, progressista, mas controlado por um político corrupto que vive de propaganda e assistencialismo na distribuição de caixões em troca de votos. Ostenta um caminhão tecnológico enquanto esconde a promessa de empregos para estrangeiros.
Aos poucos, os moradores percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, os habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa.
Uma cena emblemática é a da brincadeira entre as crianças. Elas se entretêm em ver quem consegue ir mais longe, no escuro. O resultado é dramático. Perguntada sobre o que representava a forasteira, personagem de Karine Teles que faz a pergunta no bar e se agrega aos estrangeiros, a atriz respondeu – O preconceito.
Mesmo o exterminador principal, Udo Kier, não sabe dizer se é americano e sai destruindo seus próprios parceiros, diz que já saiu da Alemanha há muito tempo. Seria um nazista?
A personagem de Sônia Braga é uma médica que informa a população que a saúde está precária e não há mais vacinas. Após o inimigo ganhar terreno ela é abordada e cordialmente oferece boa mesa para o invasor estrangeiro que vira a mesa e vai atrás “das gentes”, como exterminador.
Escolas são massacradas. Casais que vivem em intimidade cuidando das plantas são chacinados. Eles passam então a tomar um estranho alucinógeno e a reagir. Uma espécie de cangaceiro, personagem de Silvero Pereira, vai atrás de salvar a pele das gentes e cai de facão no inimigo invasor de armas potentes. O que acontecerá em Bacurau?
Bacurau é um símbolo que mostra como estamos morrendo. É aí que a arte entra defendendo o seu papel de transformação, de linguagem, de resistência. Para aqueles que pensam no mundo para as grandes corporações neoliberais que vivem para o mercado de consumo vendendo produtos resta saber como vamos nos entender: - Quem nasce em Bacurau é o quê?
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